Na calada da noite: Senadores aprovam emenda para calar a internet

BRASÍLIA – Um dispositivo incluído de última hora no projeto de lei que regulamenta o fundo eleitoral obriga os sites a suspenderem, sem necessidade de determinação judicial, conteúdo que os candidatos considerarem como “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa”. A mudança nas regras eleitorais foi aprovada de madrugada na Câmara dos Deputados e em votação relâmpago nesta quinta-feira à tarde no Senado.

Para que o conteúdo seja tirado do ar, bastaria aos candidatos notificarem plataformas como Facebook, Twitter e Google, entre outras. A emenda foi incluída no texto pelo deputado Áureo (SD-RJ).

Alguns senadores ficaram surpresos ao serem informados sobre o dispositivo aprovado há algumas horas, em discussão relâmpago no plenário.

— Nós aprovamos isso? Fico satisfeito de ter votado contra o projeto como um todo. Não tivemos nem tempo de ler o que foi aprovado na Câmara. Na eleição do ano que vem, vai se sair bem quem souber responder os boatos, não quem tiver boas ideias. Mas a saída não é a censura — estranhou o senador Cristovam Buarque (PPS-DF).

— Isso é que dá votar às pressas. Já vou preparar uma Adin para contestar no Supremo. Essa medida não subsiste a uma análise do Supremo — completou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Especialistas em direito digital alertam que o dispositivo aprovado é uma forma de censura prévia que fere a liberdade de expressão preservada no marco civil da internet. O parágrafo 6º do artigo 57-B – aprovado na Câmara e mantido no Senado – pode ser sancionado amanhã junto com o projeto de lei da reforma política que está nas mãos do presidente Michel Temer.

O artigo incluído de última hora como emenda no relatório do petista Vicente Cândido (SP) diz que “a denúncia de discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato, feita pelo usuário de aplicativo ou rede social na internet, por meio do canal disponibilizado para esse fim no próprio provedor, implicará suspensão, em no máximo vinte e quatro horas, da publicação denunciada até que o provedor certifique-se da identificação pessoal do usuário que a publicou, sem fornecimento de qualquer dado do denunciado ao denunciante, salvo por ordem judicial”.

— É uma violação da liberdade de expressão, mas , na votação, preferiram manter. Foi introduzido de última hora, não estava no texto original. Entrou de uma maneira imperdoável e será facilmente contestável na Justiça. Na atividade política, a crítica é fundamental para que o eleitor forme suas convicções e faça suas escolhas do melhor candidato. Se Temer não vetar, cai facilmente no Supremo Tribunal Federal — criticou o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ).

Especialista em direito digital, o advogado Fabrício Mota diz que a mudança causará dois problemas gravíssimos: promove uma censura administrativa através dos provedores de internet e viola o marco civil da internet.

— Não vai mais precisar de decisão judicial, a suspensão vai ficar a cargo dos provedores, em medidas administrativas. Os provedores vão ter que tirar tudo, porque a lei não diz o que é discurso de ódio. Se chamarem um candidato de gordo, isso pode ser considerado discurso de ódio? Esse artigo é uma encomenda para a censura. Tudo o que sempre quiseram e tentaram aprovar em outros projetos e não conseguiram, enfiaram de última hora nessa lei eleitoral. Vai cair por terra todo nosso esforço para manter a liberdade de expressão no Marco Civil da Internet — explica o advogado Fabrício Mota.

Representantes de empresas que controlam provedores e redes sociais declararam preocupação com a nova legislação:

— O que muda é que hoje esses canais (de denúncia de postagens) servem para a plataforma receber uma reclamação e fazer uma análise se o conteúdo viola ou não as regras. Se o dispositivo virar lei, isso acaba e passa a ser obrigatório a remoção. A simples denúncia obriga o site a retirar. O que nos assusta é a facilidade com que a remoção de conteúdo vai ser feita e a subjetividade nos critérios para análise do conteúdo — afirmou um representante de uma rede social.

 

MEDIDA CONTRA GUERRILHA VIRTUAL

Autor da emenda que introduziu a mudança na lei eleitoral, o deputado Áureo (SD-RJ) , líder do partido, diz que está havendo uma má compreensão da medida, que seria apenas para combater a guerrilha virtual e perfis fakes na internet.

— Está havendo uma grande confusão e a medida está sendo mal interpretada. É para suspender apenas o que for publicado sob anonimato, quando o autor das publicações não é identificado. O candidato faz a denúncia , se o Facebook ou outro provedor conseguir identificar o autor em 24 horas, reativa a publicação. O que tem autoria pode ser publicado. É uma medida para combater a guerrilha virtual e aos perfis fakes na internet — justificou o autor da emenda acatada pelo relator Vicente Cândido, dizendo que foi aprovada por 97% dos partidos.

O jurista Fabricio Mota contesta a explicação do autor da emenda.

— Conversa! Não é isso que diz o texto. Eu entendi que essa era a intenção, mas o texto aprovado não é claro sobre isso. Afinal, todo cadastro em aplicação da Internet é autodeclaratório. Então, a princípio, todos nós não temos nossas identidades averiguadas pelo Facebook ou Whatsapp. A gente só informa os dados . A regra da economia digital é a boa fé. O controle, se houver, é judicial posterior. Em casos de crimes ou danos morais — contestou Fabricio Mota.

 

Fonte: Oglobo

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