Juízes federais propõem gravação de conversa entre advogado e detento.

Os juízes corregedores de presídios federais querem o endurecimento de regras nas unidades prisionais por meio de uma nova lei. Há cerca de duas semanas, representantes da classe entregaram no recém-inaugurado Ministério de Segurança Pública uma proposta de lei que permite, dentre outros pontos, a gravação em áudio e vídeo de conversas entre familiares, amigos e presos no parlatório e o aumento do prazo de permanência, nessas unidades, dos presos considerados chefes de facções criminosas, provenientes de presídios estaduais.

A proposta aumenta de 360 para 720 dias o prazo mínimo de permanência de um líder de facção criminosa. Também prevê a possibilidade de renovações desse período quantas vezes forem necessárias, desde que apoiadas em critérios preestabelecidos.

O sistema penitenciário federal, criado em 2006, conta hoje com quatro unidades em funcionamento, localizadas em Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Porto Velho (RO) e Mossoró (RN). Uma quinta unidade, em Brasília, já foi construída e deve ser inaugurada nos próximos meses.
Elas foram inspiradas no modelo arquitetônico, gerencial e estratégico dos presídios de segurança máxima dos EUA, conhecidos como “super max”. São 208 presos para cada unidade, sempre 25% aquém da capacidade total, de modo a não ocorrer uma superlotação. Os presos ficam em celas individuais com cama, prateleira, banco e mesa de concreto e banheiro. São isolados na cela 22 horas por dia, com exceção de duas horas de banho de sol diárias, quando o preso pode se encontrar com apenas uma parte da população carcerária.

Segundo os juízes federais, contudo, “a missão de isolamento tem sido cumprida, infelizmente, apenas em parte” e presos “têm transmitido os mais diversos avisos para o braço livre das organizações criminosas, com determinação e orientação, quanto à prática de crimes”. Diversos ataques a ônibus e órgãos públicos têm sido registrados nos últimos meses em estados como Minas Gerais e Rio Grande do Norte.
Para combater a transmissão dos recados, os juízes pretendem impedir as “visitas íntimas” ou ao menos submetê-las a um controle mais estrito, analisado caso a caso. Também propõem a gravação das conversas no parlatório, mas não detalham quem seria o detentor dessas gravações, se a direção do presídio ou a Justiça Federal.

“Os presídios federais são estabelecimentos de segurança máxima, destinados, precipuamente, a recolher os presos mais perigosos do país, os quais, via de regra, possuem poder de liderança e integram organizações criminosas e que, a despeito de encarcerados nos presídios estaduais, continuam ativos na criminalidade. A ideia é de que, levados a estabelecimentos carcerários, distantes do local onde atuam, sejam desatados os laços que os unem aos companheiros, prontos para cumprir suas ordens”, afirma a justificativa da proposta de lei.

No texto que acompanha a proposta, os juízes demonstram preocupação com o clima nos presídios federais e a iminência de rebeliões, o que seria inédito nos 12 anos de história do sistema federal, que também nunca registrou uma fuga.

“A população carcerária está cada vez mais revoltada, deixando isso muito claro nas visitas aos presídios que os corregedores fazem, mês a mês. Temos a sensação de que, a persistir a situação, mais cedo ou mais tarde irá ocorrer movimento carcerário orquestrado nos quatro presídios federais, de proporções e consequências imprevisíveis”.

A proposta recebeu o apoio do ministro da Segurança, Raul Jungmann, que recebeu os juízes em reunião, junto com ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Jungmann disse que alguns líderes de facções criminosas estão adotando filhos de outros presos para expandir o círculo de pessoas que teriam direito a visitá-los, a fim de passar ordens para seus liderados fora dos presídios.
Embora esse ponto não esteja claro na minuta, Jungmann disse que os juízes também querem autorização legal para gravar as conversas entre presos e advogados no parlatório. “É uma proposta que nós vamos considerar e eu, pelo menos, sou favorável.”

O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia, disse que a privacidade das conversas entre réus e seus advogados é preservada por lei. “Nós precisamos enfrentar a criminalidade, mas não se combate o crime cometendo um outro crime. Qual o outro crime? Desrespeitar a lei. A conversa entre o advogado e o cliente é inviolável por lei e pela Constituição Federal. Isso não é uma garantia só dos advogados, mas da própria sociedade, do cidadão. É algo inerente a um estado democrático de direito”, disse o presidente da OAB.
Ele afirmou que não poderia comentar a minuta de lei apresentada pelos juízes porque ainda não teve acesso ao documento.

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