Morre a lenda do terror: José Mojica Marins, o Zé do Caixão

José Mojica Martins, o Zé do Caixão, não está mais entre nós. Aos 83 anos, o cineasta faleceu no hospital Sancta Maggiore, em São Paulo, nesta quarta-feira (19), em consequência de uma broncopneumonia. As informações são da Folha de S.Paulo.

Tido como figura folclórica, Mojica tem importância imensurável para a arte do seu país. Para quase todos os cinéfilos, ele é o pai do terror do cinema nacional. E, para muitos outros, descrevê-lo como o maior diretor brasileiro em todos os tempos é questão de justiça.

Ainda que tenha feito filmes artesanais em sua adolescência com a ajuda de uma Câmera V-8, a trajetória de Mojica começou profissionalmente nos anos 1950, quando ainda muito jovem montou a sua própria escola de atores em São Paulo, a Mojica Marins.

Foi com a ajuda dos seus próprios alunos que ele lançou o seu primeiro filme, aos 22 anos, em 1958, A Sina do Aventureiro, um faroeste com figurino gaúcho, nordestino e estadunidense que viria a ser chamado como o primeiro Western Feijoada.

O longa foi um grande sucesso de bilheteria, algo comum em sua trajetória. Mas o sucesso que mudaria para sempre a vida de Mojica surgiria somente na década seguinte, com À Meia-Noite Levarei Sua Alma, de 1963.

Foi neste filme que Mojica apresentou ao mundo o Zé do Caixão, personagem que se confundiria com o próprio autor pelas décadas seguintes. Um fruto de um dos seus pesadelos mais terríveis.

“Vi num sonho um vulto me arrastando para um cemitério. Logo ele me deixou em frente a uma lápide, lá havia duas datas, a do meu nascimento e a da minha morte. As pessoas em casa ficaram bastante assustadas, chamaram até um pai-de-santo por achar que eu estava com o diabo no corpo. Acordei aos berros, e naquele momento decidi que faria um filme diferente de tudo que já havia realizado. Estava nascendo naquele momento o personagem que se tornaria uma lenda: Zé do Caixão”, contou Mojica em entrevista a Eugênio Puppo e Arthur Autran.

Com uma estética suja, mostrou um estilo de filmar inconfundível. “Sua câmera não mente jamais e confirma o desejo de reinventar o gênero horror com uma deformação formal”, disse Rogério Sganzerla, outra lenda do cinema brasileiro, sobre o seu ídolo à Folha.

Curiosamente, Mojica só deu vida a Zé do Caixão nos cinemas porque nenhum outro ator se interessou pelo papel. Com grande sucesso de público (e nem tanto de crítica), o filme ganhou duas continuações: Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, de 1967, e Encarnação do Demônio, de 2008.

Um provocador esnobado pelo próprio país

Provocador, Mojica foi alvo de diversas represálias da ditadura por mais de duas décadas. Teve seus filmes cortados e censurados devido aos atos naturalmente sádicos das suas personagens.

“Eu era perseguido pela censura, pelos padres, por críticos frustrados por não terem conseguido fazer porra nenhuma de cinema, né? Tinha que fazer umas modificações”, relembrou em entrevista ao Terra.

Mesmo com dificuldades, o diretor produzia quase um filme por ano na época de governo militar, mesmo sendo pouco reconhecido pelos críticos brasileiros. Enquanto isso, seu status internacionalmente adquiria um patamar cult.

Neste século, Mojica foi homenageado pelos festivais de Sundance e pelo South by Southwest, ambos realizados nos Estados Unidos. No Brasil, geralmente era convidado para aparições escrachadas e breves na televisão.

Nos últimos cinco anos, o artista se manteve recluso devido a problemas de saúde. Sobre a morte em, o monólogo que abre À Meia-Noite Levarei tua Alma (abaixo) talvez aponte como Mojica encarava a hipótese da sua própria finitude. Sem ele, o mundo dos vivos fica, definitivamente, mais sem graça.

“O que é a vida? É o princípio da morte. O que é a morte? É o fim da vida. O que é a existência? É a continuidade do sangue. O que é o sangue? É a razão da existência!”.

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